sexta-feira, 27 de abril de 2018

Esplendor (Hikari)

"Esplendor" (2017) dirigido por Naomi Kawase (Sabor da Vida - 2015) é uma poesia sobre o sentir, reflete o como e o quanto as imagens modelam o indivíduo formando memórias e saudades e influindo na percepção das belezas e das tristezas que as pessoas e as coisas possuem. Somos inseridos de maneira gentil ao mundo da protagonista que se dedica a escrever e esmiuçar as imagens dos filmes para deficientes visuais, dando a eles a possibilidade não apenas de compreensão, mas o da subjetividade dessas imagens e de imergir dentro das histórias. A emoção, a contemplação, a empatia e a natureza, características tão pulsantes da diretora estão presentes e encantam a cada cena.
Misako (Misaki Ayame) escreve versões de filmes para deficientes visuais. Durante uma exibição, ela conhece Nakamori (Masatoshi Nagase), um fotógrafo mais velho que, lentamente, está perdendo a visão. Quando Misako descobre as fotografias de Nakamori, essas imagens irão, estranhamente, levá-la de volta ao seu passado. Juntos, os dois vão aprender a enxergar o mundo radiante que, antes, estava invisível aos olhos dela.
A audiodescrição é o coração da trama, Misako vive para seu trabalho e nas horas que observamos ela caminhando ou se relacionando percebe-se que esse universo a dominou por completo, a cada sessão de teste com o grupo ela tenta se superar, ouve as críticas e está determinada a transformar imagens em palavras e passar os sentimentos para eles sem qualquer interferência pessoal. Cada um deve ativar sua imaginação e sentir de um modo próprio as imagens narradas. Misako é solitária e toda vez que visita a mãe sofre com as lembranças de seu pai, esse sentimento de perda também faz parte da vida de Nakamori, que precisa lidar com a drástica perda de visão e por conta disso abdicar de sua profissão, antes um renomado fotógrafo Nakamori agora necessita aceitar sua condição. Nas sessões Nakamori é um duro crítico do trabalho de Misako e isso a faz querer conhecê-lo melhor, aos poucos essa relação vai se formando e um vai aprendendo com o outro a perceber a vida de um jeito diferente.
Nakamori está endurecido com a vida, se ressente por cada vez menos enxergar, acompanhamos o processo, por muitas vezes as cenas embaçam retratando o como ele vê as coisas, em uma delas há apenas uma fresta de luz, ele está sentado no jardim e tenta captar as crianças que olham para a sua câmera fotográfica, a luz o ajuda a ter o mínimo de visão, porém a sua angústia só aumenta com o passar dos dias, desse embaçamento resta apenas um borrão para então se apagar de vez, Misako se aproxima dele também ao se encantar por uma fotografia em especial, uma paisagem ensolarada que a remete à infância com o pai. Com o desenrolar depois de muito entravamento os dois se conectam e se percebem e juntos descobrem outros caminhos, a delicadeza da relação é imensa, as sensações transbordam da tela. 

"O cinema 'vive' em um mundo vasto. E frente a essa vastidão nossas palavras são pequenas"

O cinema é muito mais que imagens, assim como a vida, e quando o grupo de deficientes visuais estão debatendo sobre a sessão podemos compreender a amplitude dessas sensações que para quem enxerga acabam se perdendo, em situações cotidianas, por exemplo, apenas enxergamos, mas não vemos de fato. 
Misako é uma escritora, desenvolve a partir das imagens narrações maravilhosas, ela possui gentileza e empatia, ouve de verdade e sente de verdade. O filme transcende a história, a subjetividade é trabalhada de forma única, tanto para os personagens como para o espectador, reflete-se o quanto estamos condicionados à imagem, nossas lembranças são exemplos disso, mas as melhores memórias nem sempre se compõem delas e sim de outros sentidos, dos quais palavras são incapazes de descrever.

A natureza é sempre algo muito marcante nos filmes de Kawase, somos parte dela e há um deslumbre no como a câmera a capta, neste a luz do sol é protagonista e se mescla com todo o contexto, além de nos presentear com momentos de puro esplendor. 
"Esplendor" conversa com todos os nossos sentidos, nos faz reavivá-los, sentimos a dor, a ausência daquilo que existiu, mas também o magnetismo e as novas percepções que a vida proporciona. 

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