sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

O Sacrifício do Cervo Sagrado (The Killing of a Sacred Deer)

"O Sacrifício do Cervo Sagrado" (2017) dirigido por Yorgos Lanthimos (Alpes - 2011, The Lobster - 2015) tem um roteiro inusitado, que também tem a mente criativa de Efthymis Filippou, constante parceiro de Lanthimos, o universo criado retrata os extremos dos conflitos das relações, as complexidades do ser humano, o tom cômico e trágico causa desconforto e constrangimento, o fato é que o filme provoca e causa incômodo, traz situações absurdas, personagens desprovidos de emoções e quando existe algum indício carecem de significação, são atos mecânicos e diálogos crus e diretos, os símbolos e referências estão por toda a parte e é preciso estar atento a cada detalhe, conversa e ação. Criativo, irônico e desconcertante, intriga tanto em sua estética fria e robotizada, quanto em seu roteiro com desenrolar lento e repleto de pontas, é uma experiência única assistir os filmes de Lanthimos, que mesmo produzindo fora de seu país continua com suas estranhas características, quanto mais se pensa no filme mais coisas surgem e mais interessante fica. 
Steven (Colin Farrell) é um cardiologista conceituado que é casado com Anna (Nicole Kidman), com quem tem dois filhos: Kim (Raffey Cassidy) e Bob (Sunny Suljic). Já há algum tempo ele mantém contato frequente com Martin (Barry Keoghan), um adolescente cujo pai morreu na mesa de operação, justamente quando era operado por Steven. Ele gosta bastante do garoto, tanto que lhe dá presentes e decide apresentá-lo à família. Entretanto, quando o jovem não recebe mais a atenção de antigamente, decide elaborar um plano de vingança.
A vida aparentemente perfeita da família de Steven começa a ruir quando o jovem perturbado Martin - incrivelmente e extraordinariamente bem interpretado por Keoghan, não sente que está sendo uma prioridade mais na vida do médico, ele tem ressentimento e raiva por causa da morte do pai nas mãos de Steven, a relação é um jogo de troca, Steven nunca declara sua culpa, a disfarça em forma de pena pela falta de afeto que Martin sente e que mais tarde é transformada em obsessão e raiva, Steven em determinado momento se cansa de Martin, e este não tolera ser colocado de lado, ele se aproxima da família, cativa Kim e Bob e lança uma praga em cima da família do médico. Bob, o filho mais novo destoa do aspecto frio e reto da família, tem as próprias vontades, uma demonstração é não cortar o cabelo, ele representa a inocência, a gentileza nesse meio, ou seja, o Cervo, que possui essas características na simbologia, além de se sacrificar por um bem maior. Bob é o primeiro a sentir os sintomas da "maldição" de Martin, logo é Kim que sente suas pernas paralisarem, a influência de Martin sobre ela é imensa, pois em uma cena no hospital ela se levanta para olhar pela janela a pedido dele ao telefone, segundo Martin todos na família irão sofrer as consequências, só basta a Steven escolher um deles, é uma questão de equilíbrio, ao eliminar alguém da vida de Martin, alguém da vida de Steven também tem que ser. 

"Um: paralisia dos membros. Dois: recusa a comer ao ponto de morrer de fome. Três: sangramento dos olhos. Quatro: morte. Um, dois, três, quatro."

Martin vai soltando verdades no decorrer e tudo de maneira calma, mas também inquietante, ele é uma espécie de profeta. Steven é um homem extremamente egoísta, fraco e hipócrita, esconde sua culpa e finge asseio, em nenhum momento admite seus erros ou revela suas imperfeições. Ele é vazio. Anna com o desenrolar parece acordar e perceber um pouco as coisas, como quando na cozinha ao se defrontar com ele, que ao invés de estar preocupado com o filho pede para que ela faça um purê. "Você tem belas mãos. Nunca havia percebido. Mas todos têm me dito isso nos últimos dias, que belas mãos você tem, e agora vejo com os meus olhos. Macias e limpas. Mas quem liga se elas são lindas? Elas não têm vida". Só que ela não titubeia ao fato de fazer de tudo para não ser a escolhida para o sacrifício, como ao dizer que ainda podem ter mais filhos, aliás esta parte é carregada de humor negro e impacta com as atitudes de cada um ao querer se livrar do inevitável.

"O Sacrifício do Cervo Sagrado" faz referência ao mito grego "Ifigênia", que escolhida ser sacrificada pelo próprio pai, foi por obra dos deuses, substituída por um animal no derradeiro momento, a tragédia é colocada nos moldes atuais e daí surge variadas camadas e cada espectador absorve e interpreta de uma maneira, mas o incômodo é certeiro e intenso ao evidenciar o lado podre do ser humano e os absurdos dos seus comportamentos enquanto disfarçam e fingem virtudes. Uma obra particular e imensamente desconcertante.

2 comentários:

  1. Ainda não tive vontade de encarar os trabalhos de Yorgos Lanthimos.

    Mas em breve, quem sabe.

    Abraço

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    Respostas
    1. Ah!! Lanthimos tem estilo único, vale muito ver seus filmes, quando decidir encarar comece com "Dente Canino"

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