quarta-feira, 21 de junho de 2017

Tirésia

"Tiresia" (2003) dirigido por Bertrand Bonello (Nocturama - 2016) é um longa francês peculiar e atraente, disserta sobre masculino e feminino e o poder de transformação do ser humano.
Para uma melhor compreensão é bom que se saiba sobre o mito grego do qual intitula a obra, Tirésias todo dia ia ao templo fazer suas orações, um dia ao sair encontrou um casal de cobras venenosas copulando, ambas se voltaram contra ele e então atirou uma pedra na fêmea, assim Tirésias transforma-se numa mulher e torna-se em uma prostituta famosa. Tempos depois indo ao mesmo templo orar encontrou outro casal de cobras copulando e novamente interrompeu o ato, dessa vez matando o macho e assim tornando-se homem novamente. Como Tirésias tinha passado pelos dois sexos, Zeus e Hera o chamaram para uma discussão sobre quem teria mais prazer na relação sexual, Hera dizia que era o homem, Zeus dizia que era a mulher. Tirésias decidiu a questão: "se dividirmos o prazer em dez partes, a mulher fica com nove e o homem com uma". Hera, furiosa por sua derrota, cegou Tirésias por vingança. Mas Zeus, compadecido e em recompensa por Tirésias ter dado a ele a vitória, deu-lhe o dom da previsão. Dentro deste contexto somos absorvidos pela estranha narrativa de Bonello, Tirésia, em seu primeiro momento (Clara Choveaux), é um transexual brasileiro que vive com seu irmão se prostituindo nos subúrbios de Paris. Certa noite ela encontra Terranova (Laurent Lucas), um homem distante, misterioso, que fica obcecado e a sequestra. No cárcere e sem as doses regulares de hormônios que tomava para adquirir formas femininas, Tirésia volta à sua forma masculina original (Thiago Telès). Decepcionado, Terranova cega Tirésia e o abandona em uma floresta, onde é resgatado pela jovem Anna (Célia Catalifo), que o leva à igreja local, onde volta a se recuperar, definitivamente na forma masculina.
Terranova é um ser recluso que aprecia arte e tem pretensões poéticas ao sequestrar Tirésia, esta que se destaca aos olhos dele por sua bela forma e que o intriga por sua transformação. Ele a admira, observa-a no dia a dia que pouco a pouco sem os hormônios vai perdendo as características femininas, a barba cresce, a voz engrossa, Terranova vai atrás dos hormônios, porém, sem sucesso decide abandoná-lo numa estrada, mas antes cega Tirésia. Esta primeira parte do filme é instigante e provoca uma série de questões envolvendo gêneros, também exerce um grande fascínio pela maneira com que é abordado o tema, o clima é de total tensão. A interpretação de Laurent Lucas com seu olhar vidrado de curiosidade e seu silêncio incomoda, e Clara Choveaux exprime perfeitamente o medo, a solidão, e encanta quando canta uma cantiga popular brasileira, "Terezinha de Jesus", que mexe com Terranova.

Após ser deixado na beira da estrada a história ganha novos tons e até parece ser um outro filme, a passagem é realmente brusca, Tirésia, interpretado por Thiago Telès é acudido por Anna, uma jovem muda que vê em Tirésia um propósito. Laurent Lucas nesta parte interpreta um padre, o que causa uma grande confusão, mas representa a dualidade. Tirésia aceita a transformação e o dom da premonição e muitas pessoas vão até ele lhe oferecendo presentes, a curiosidade e o desejo de saber o que acontecerá move as pessoas. 

Sombrio, melancólico e incômodo, a experiência para quem o assiste é única, abarca muitas questões sem apresentar necessariamente respostas, somos deixados à deriva ao final matutando tudo o que vimos, absorvendo e tentando pelo menos um pouco compreender este enigma chamado ser humano.

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