sexta-feira, 30 de junho de 2017

Dois Rémi, Dois (Deux Rémi, Deux)

"Dois Rémi, Dois" (2016) dirigido por Pierre Léon (O Idiota - 2008) é uma adaptação leve do livro "O Duplo" de Dostoiévski, que reflete sobre os conflitos da existência, as inseguranças e o desejo de ser outro. Rémi (Pascal Cervo) é um homem de 30 anos perdido na vida que não tem um bom emprego e que leva uma tímida vida amorosa. Certo dia, ele precisa dividir sua vida com um sósia, um outro dele, um ser não muito agradável e bem invasivo. A questão é, qual deles será o verdadeiro Rémi?
Rémi leva sua vida de modo pacato, divide um apartamento com o irmão Philippe (Serge Bozon), trabalha em uma empresa especializada em produtos para gatos e é apaixonado por Delphine (Luna Picoli-Truffaut - neta de François Truffaut), filha do seu patrão, a sua timidez e insegurança o travam nas decisões, principalmente as amorosas, Rémi não é sociável no trabalho e os colegas não têm muito o que dizer sobre ele. Um dia, Rémi encontra um homem parecido com ele e começa a segui-lo, então se assusta ao ver que ele é exatamente idêntico, um duplo. O Rémi dois é o oposto do Rémi um, totalmente relaxado, debochado e também um tanto chato e insensível, ele toma a vida do original, vai trabalhar no mesmo local e o engraçado é que ninguém ali questiona ou se importa com o fato de ter dois Rémi, ao contrário, ficam comparando e na maior parte do tempo indiferentes. A única pessoa que percebe algo estranho e não aceita Rémi dois é Delphine.
O filme é bem curtinho (66 min) e surpreende por seu humor, extrai leveza de um tema complexo e nos tira gargalhadas de situações inesperadas, há diálogos certeiros e extremamente atuais, demonstra a indiferença das pessoas, a completa falta de empatia, relações superficiais e automáticas e o imenso vazio que sobra disso tudo. Rémi não se relaciona muito com os outros, não chega a ser um antissocial, porém cultiva insegurança e conflitos existenciais, Rémi gostaria de ser mais determinado, ousado, falador e conquistador, percebe que seu eu não cativa os que estão próximos, daí surge seu duplo, o tal mito chamado "Doppelganger", que diz que todos têm uma cópia em algum lugar do mundo, geralmente o outro seria uma versão diferente apenas no caráter. Na história Rémi dois é mal-intencionado, esbanja carisma por onde passa, mas na verdade é um chato, Rémi a partir da chegada do seu duplo é posto em xeque por si mesmo e reflete sobre seus conflitos internos e sobre seu verdadeiro eu.
"Dois Rémi, Dois" é suave, mas não deixa de ser intrigante e nos instiga a fazer um exercício de autoconhecimento e entender o como encaixamos no meio em que vivemos, é difícil permanecer seguro de si diante a "manuais" que dizem que tais qualidades são importantes num ambiente de trabalho, ou se for mais de um jeito do que outro se dará melhor na vida, isto acaba alimentando a insegurança e o desejo de ser outro. É inevitável, ainda mais nas redes sociais em que todos mostram os seus melhores lados.

A narrativa é agradável e subjetiva, joga com esses conflitos de personalidade e dualidade com a ótima e cativante atuação de Pascal Cervo, os dois Rémi são bem delineados e suas expressões preenchem a tela. Há um certo charme em muitas passagens e não tem como não sorrir e gargalhar apesar de todo o drama envolvido, exemplo disso é a cena do piano com a mãe e o irmão de Rémi. A trilha sonora concebida por Alexander Zekke é vivaz e a fotografia de Thomas Favel encanta, é um filme com características únicas e surpreende por utilizar o humor de maneira inteligente e promover questionamentos acerca de temas existenciais. 

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