sexta-feira, 5 de maio de 2017

Para Minha Amada Morta

"Para Minha Amada Morta" (2015) dirigido por Aly Muritiba é um filme introspectivo que lida com perdas, e principalmente, a indecisão. A atmosfera sombria e o suspense dão o tom à história, espera-se pelo pior a cada cena, mas o drama é a essência e revela toda a complexidade de sentimentos que habita o protagonista.
Após a morte de sua mulher, Ana (Michelle Pucci), Fernando (Fernando Alves Pinto) se torna um homem calado e introspectivo, que cuida sozinho do filho Daniel (Vinicius Sabbag). Todas as noites, enquanto o menino dorme, ele recorda o seu amor arrumando as coisas de Ana. Um dia, encontra uma fita VHS e, ao assisti-la, descobre que a esposa foi infiel. Fernando, então, decide ir à procura do homem que arruinou a imagem que ele tinha de sua amada morta.
No início observamos pai e filho numa relação melancólica, o dia passa e conhecemos um pouco mais de Fernando, um fotógrafo pericial que está com sua vida quebrada por ter perdido sua esposa, ele pouco fala e se dedica a deixar as coisas da amada em ordem, roupas passadas, sapatos ao sol, e traz do escritório dela uma caixa repleta de fitas, que passa a assistir todas as noites depois que o filho dorme, são lembranças que acalentam e ao mesmo tempo machucam, registros de uma vida que Fernando ama. Tudo muda ao assistir uma fita em que Ana se relaciona com outro homem, cenas dela sorrindo, conversando e transando com outro homem, os olhos de Fernando não desgrudam da tela e a câmera não desvia sua lente dos olhos dele. Somos conduzidos a partir daí pelo suspense ao participar da procura deste homem que arruinou a imagem que ele tinha da mulher e a sua aproximação e inserção na vida dele.
Fernando Alves Pinto é impecável na construção de seu personagem, sua fala e seus gestos demonstrando toda a dor, a sua confusão interior, um emaranhado de sentimentos pungentes, uma atuação reflexiva e soturna, um homem totalmente sem rumo, absorto pelas memórias, mas que também contém sua fúria ao se deparar com o homem que lhe tirou a única coisa que tinha, a bela imagem de sua amada, que em nenhum momento ficamos sabendo o como e o porquê morreu, mas que certamente foi um acontecimento repentino, pois o imenso vazio na casa é palpável. 

Fernando não tem dificuldade em encontrá-lo, recolhe as dicas dadas pelo vídeo e logo está o observando e analisando que tipo de homem é. Não se sabe muito bem as intenções de Fernando, claro que vingança é a mais óbvia, porém não mais quando ele adentra na vida de Salvador (Lourinelson Vladmir), um ex-presidiário que segue os princípios de sua religião, assim como sua esposa e filhas. Um dia, Fernando vai a um culto e diz ter sua mulher hospitalizada em estado grave e pede ao pastor orações e vai se aproximando, no dia seguinte bate palmas na casa de Salvador e diz que deseja alugar o quarto dos fundos com a desculpa de tirar um tempo para e si e descansar, quando vemos ele está dentro da casa de Salvador, interagindo com a filha mais velha, rodeando a esposa e ajudando Salvador nos afazeres. Nos instantes em que estão conversando a tensão cresce e a cada olhar e movimento indica que algo irá acontecer, Fernando nesses momentos sempre tem nas mãos algum objeto à disposição, uma pá, uma faca, etc.

"Para Minha Amada Morta" é um filme de silêncios que demonstra com maestria a indecisão, os sentimentos contidos e a observação do protagonista, ele retira a paz de Salvador lentamente, a cada diálogo, a cada interação com a sua filha e mulher, a cada olhar e dicas que ele vai jogando. São cenas de puro suspense, mas com uma enorme carga dramática. O desfecho é inteligente e só reforça a maravilhosa direção de Aly Muritiba, que faz crescer no espectador também um desejo de vingança, o que nos faz esperar por ela a todo instante em que Fernando tem a oportunidade.
O filme é recheado de sequências que geram agonia e que fazem o coração acelerar e a boca secar, mas o acerto de contas nesta trama ganha outras formas e é retratado com uma profundidade psicológica incômoda e sagaz. 

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