sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

A Longa Caminhada (Walkabout)

"Na Austrália, quando um aborígene completa 16 anos, ele é obrigado a vagar pela terra. Durante meses deve viver dela. Dormir sobre ela. Comer de seus frutos e de sua carne. Sobreviver, ainda que para isso tenha que matar outras criaturas. Os aborígenes chamam isso de Walkabout. Esta é a história de um Walkabout."

"Walkabout" (1971) de Nicolas Roeg (A Convenção das Bruxas - 1990) é um filme pouco conhecido. É uma história interessante e original que traça as dificuldades e as limitações da linguagem, além das questões da natureza humana. A dimensão das imagens dão o tom à trama que tem um estilo fragmentado, tudo começa quando dois irmãos ingleses (vividos por Jenny Agutter e Luc Roeg), de classe média alta são deixados pelo pai no meio do deserto da Austrália, sem muitas explicações o homem começa a atirar em direção ao filho enquanto a menina arrumava as coisas de um piquenique, os dois então fogem e o mais estranho é que o pai coloca fogo em seu carro e aperta o gatilho contra si mesmo. Ou seja, as crianças ficam sozinhas em um lugar inóspito praticamente sem nada. Complicado entender esta situação, mas deduz-se que o pai tenha perdido o emprego e desolado com a vida decide acabar com tudo. Há uma certa estafa em relação à vida moderna, algumas cenas sortidas em meio a produção evidenciam correria e a preocupação com o status social. Mas o que importa realmente é o desenrolar do que acontecerá aos dois irmãos. O foco do filme é no personagem de David Gulpilil (Geração Roubada - 2002), o aborígene, que aparece depois de uns 30 min. Após peregrinar pelas areias vermelhas por dias eles acabam encontrando o aborígene que está cumprindo um ritual, e daí por diante dois mundos completamente diferentes são mostrados a nós, uma barreira cultural enorme os separam.
A língua é a primeira dificuldade, ela é limitada em denominar certas sensações e sentimentos. O filme contém cenas espetaculares da vida selvagem do aborígene e os animais que o cercam, em contrapartida vemos cenas de humanos caçando apenas por se sentirem superiores ao animal.
Uma coisa bem interessante a notar é que o menino consegue entender melhor o aborígene e isso se dá pela forma que vê o mundo, ele não está influenciado, não há preconceito, a aparência não importa, o que não acontece com a garota, existe uma distância significativa entre eles, já que sua natureza quase adulta pulsa em relação àquele corpo que ela visualiza, há uma grande tensão sexual que não se concretiza.

Um fator que marca este filme é o como a câmera explora ousadamente a bela Jenny Agutter ainda menor de idade, ela é vista nua em alguns momentos e seus olhares mostram uma sensualidade latente. A garota, talvez não entenda o que acontece e em determinado momento se sente ameaçada por não entendê-lo e por não vê-lo como um igual. Difícil para nós espectadores também compreender algumas atitudes do aborígene, principalmente lá pelo final quando se enfeita e pinta seu corpo de branco e realiza uma dança exótica, não se sabe se é o cumprimento de seu ritual Walkabout, uma dança de acasalamento, ou de passagem. Nos olhos dele vemos desejo e tristeza.
Essa sensação de dúvida acompanha muitas partes do filme, mas de fato é infalível em sua demonstração do quanto somos limitados em entender o outro, o quanto julgamos antes sem tentar perceber que o mundo de cada um é diferente, o que pode parecer inútil para você, ao outro é absolutamente essencial. Tem reflexões incríveis em relação ao modo de vida e o quanto estamos distanciados da natureza, somos levados a agir conforme a sociedade determina que seja, uma pena, pois perdemos uma grande parte de nós que nem chegamos a conhecer.

O filme de Roeg tem cenas duras e sangrentas, animais sendo abatidos e alguns sendo engolidos por outras espécies. A amplidão e a beleza do deserto é evidenciada, mas sem nenhum sinal de sentimentalismo, animais do deserto são retratados, como vários tipos de lagartos, escorpiões, pássaros, cobras e cangurus. Enfim, é a lei da sobrevivência. Quando somos reduzidos ao instinto perdemos aquilo que nos liga aos animais, este longa destaca bem essa questão.
"Walkabout" é um ótimo exemplar da natureza primitiva que querendo ou não existe em cada um de nós, também reflete sobre preconceitos e essa dificuldade de lidar com linguagens e culturas diferentes.

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