segunda-feira, 17 de março de 2014

Alpes (Alpeis)

"Alpes" (2011) do diretor Yorgos Lanthimos (Dente Canino - 2009) é um filme fora do comum, excêntrico mas hiper interessante, como sempre ele insere um tema forte e passa a mensagem de uma maneira estranha. Lanthimos entrou para minha lista de diretores geniais, ao lado de Lars Von Trier e Michael Haneke. Ele é muito criativo na elaboração e no desenvolvimento de seus filmes.
A história é sobre um grupo de pessoas que se encontram regularmente em um ginásio esportivo para discutirem e ensaiarem, denominados como Alpes, cada um escolhe o nome de uma montanha, o nome do grupo é porque cada montanha é insubstituível, mas muito semelhantes, de forma que a substituição de uma por outra se torna imperceptível, eles são substitutos de pessoas que faleceram, muitos os contratam para preencher o vazio que fica após perder um ente querido. A enfermeira vivida pela ótima Aggeliki Papoulia é o foco do filme, ela fica obcecada por uma jovem tenista que sofre um acidente, logo entra pro grupo com o codinome Monte Rosa, mas quando a menina morre não conta a eles, pois uma outra estava escalada para substituí-la. Ela vai por conta própria se oferecer à família, então recebe a missão de interpretar a jovem para os pais que sofrem pela perda. Com o tempo ela acaba se confundindo e as personalidades se misturam, talvez a solidão que sente seja preenchida pelo que faz, se apega naquelas pessoas, o que a fará ter grandes problemas no grupo, e consequentemente ser expulsa. Desesperada não sabe como agir diante a realidade que a cerca.
É complicado se habituar com a forma que o filme se desenrola, mas quando nossa ficha cai é impressionante a densidade que está contida ali. A identidade é a grande questão, os personagens são carentes e têm características bem peculiares. Não dá para negar as semelhanças com os personagens de "Dente Canino", até a forma de andar da personagem central nos remete a ele.
O início do filme é muito bonito, uma ginasta executa com destreza a coreografia, são movimentos precisos, porém ela deseja uma música mais pop e faz o pedido ao treinador, ele nega e diz que não está preparada para algo assim, é uma rigidez que se explica mais ao longo do filme. Eles treinam as personalidades dos falecidos, absorvem trejeitos, gostos, frases, costumes, é uma preparação para que a família realmente ache que a pessoa continua entre eles. Veja o absurdo disso tudo, quem em sã consciência substituiria um ente querido? Eles usam a desculpa que é para amenizar a dor, mas a verdade é que ninguém está afim de sofrer, desejam preencher egoisticamente o buraco que existe dentro deles. Não admitem o período do luto, é como se a pessoa que morreu tivesse culpa pelo sofrimento que eles irão passar, e então contratam os substitutos com o intuito de neutralizar a dor.

O cinema de Lanthimos é autoral, tem seu jeito próprio, consegue atingir um público diferenciado e seleto, nem todos são capazes de se habituar ao seu estilo, sempre há questões morais envolvidas, porém a estranheza da narrativa faz com que afastem os espectadores. Chega um ponto do filme que a interpretação domina, a realidade se dissipa, ninguém tem identidade própria. A ginasta parece encenar para seu treinador, e será que o pai da enfermeira é realmente seu pai? Essas questões vão dando um nó na nossa cabeça.
Muitos desejam ser outros, viver uma vida que não é sua, a sociedade traz essa insatisfação pessoal, absorvemos influências externas o tempo todo e desse modo fica difícil saber o que é inerente ao nosso ser. Se for analisar friamente interpretamos no dia a dia, somos pessoas diferentes dependendo de quem está ao nosso lado. Os comportamentos mudam, tudo muda, e isso sem ao menos percebermos. Essa confusão acontece no filme, a personagem Monte Rosa ao ser afastada por quebrar as regras se sente perdida e angustiada, não sabe o que fazer com sua vida, desesperada ainda tenta adentrar na casa dos pais da tenista, mas é expulsa. Ela se habituou a não ser ela mesma.
Interessante quando os filmes conseguem abranger uma amplidão de reflexões, dá para analisar diversos aspectos da nossa sociedade diante deste longa. É considerado bizarro, mas há diversas coisas no nosso cotidiano que são estranhas, só que por serem executadas pela maioria se tornam normais.

O grande ponto é a carência e o egoísmo. As pessoas têm pressa em preencher o vazio, e principalmente por medo do sofrimento substituem, no filme por pessoas, mas na realidade há vários métodos de substituição.
Yorgos Lanthimos faz parte do cinema grego contemporâneo, cada vez mais os títulos são ousados e de uma técnica impecável, como os recentes: "O Garoto que Come Alpiste" - 2012 de Ektoras Lygizos e "Miss Violence" - 2013 de Alexandros Avranas. É a prova de que a estranheza não está só em Lanthimos, mas sim no cinema grego, e isso é uma grande qualidade. Assistir a estes filmes é um exercício maravilhoso que nos dá a chance de absorver o máximo da história.

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