segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O Segredo do Grão (La Graine et le Mulet)

"O Segredo do Grão" (2007) é mais um maravilhoso filme de Abdellatif Kechiche (Vênus Negra - 2010), neste a história gira em torno do sessentão Silmane Beiji (Habib Boufares), um homem de feição cansada que enfrenta um divórcio após anos de casamento. Seu emprego no estaleiro vai por água abaixo, pois segundo seu patrão estava atrapalhando a produção, devido a sua lerdeza. Silmane tem uma família grande, muitos filhos do casamento anterior, e uma enteada da relação atual com Latifa (Hatika Karaoui), também descendente de argelinos e dona de um pequeno hotel. A relação entre as famílias não é boa, há muito ciúmes e fofocas. Seu maior sonho é abrir um restaurante num barco, o sentido de sua vida está todo depositado neste sonho, e com ajuda de sua enteada Rym vai realizando aos poucos. Com a indenização que ganha de seu antigo trabalho no estaleiro compra um barco caindo aos pedaços, então surge os problemas burocráticos, são muitas autorizações, correm de lá para cá, e com muito esforço conseguem reformá-lo. Estando tudo em ordem, ele recebe o alvará provisoriamente para que prove que seu negócio pode dar certo, todos são convidados para comer o cuscuz, mas nada é fácil para Silmane.
O cenário desta história se passa na cidade de Sète, no sul da França, as margens do mar mediterrâneo. São duas culturas que se chocam, os imigrantes argelinos e os franceses. Isso é muito enfatizado no hábito das refeições, a cena que exemplifica é quando a família de Silmane come desenfreadamente em um almoço, onde a comida é farta e não há problemas em se usar as mãos, conversar e brigar na mesa, o contraste se dá na lenta burocracia para que ele consiga abrir seu restaurante, e especialmente no dia da inauguração a mistura acontece e a tradição deles é mostrada de verdade. O grão do título é referente a semolina, base preparatória do cuscuz marroquino.
"O Segredo do Grão" é um filme de longos planos que prioriza gestos e olhares. Muito interessante o estilo naturalista de filmagem, os atores interpretam pessoas comuns repletas de conflitos familiares. A câmera focaliza atos corriqueiros, como as refeições e às vezes a câmera não filma quem está falando, mas sim aquele que está chegando para se sentar à mesa, detalhes e minúcias são enquadrados enquanto conversas acontecem.

Todos ajudam Silmane a realizar seu sonho, inclusive sua ex-mulher, que prepara o cuscuz, mas há muito olho gordo e fofocas se o negócio irá dar certo ou não. A família ajuda, mas quem coloca a semente da esperança no coração de Silmane é Rym, há uma força de crescer nesta menina, de ver naquele homem de semblante tão cansado uma centelha de alegria.
Silmane vê que os filhos fazem coisas erradas, especialmente um deles, mas acaba não se intrometendo, o seu desgaste emocional e físico chega a nos cansar também, principalmente na cena em que ele sai a procura de seu filho descabeçado para resgatar o cuscuz do qual levou embora no porta-malas do carro. Ao chegar na casa da mulher de seu filho ela está chorando e sem pausa grita o quanto seu marido é um idiota que não a respeita. Nessa parte a tensão cresce, pois todos no restaurante estão esperando o cuscuz, as filhas de Silmane servem bebidas, e Rym tem a grande ideia de dançar, o grupo de músicos ajudam e então o público vai ao delírio. A garota dá um show, é a força de uma cultura que jamais morrerá. A jovem Hafsia Herzi que interpreta Rym é o grande destaque.

A cena da dança é longa e impressionante, enquanto desesperados procuram um meio de conseguir o cuscuz, Rym dança selvagemente. É interessante, pois às vezes julgamos tanto, no caso as filhas de Silmane falavam mal de Latifa e Rym, mas ao final quem mostrou preocupação com Silmane foram elas. É a tal questão, se dá demasiado valor para laços de sangue, mas os maiores laços são aqueles formados pelo coração. 
O final gera um certo desconforto, mas Rym é o novo tomando conta, ela é a certeza de que tudo irá dar certo. O resultado já não importa, o que é válido é todo o esforço feito.

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