segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Às Margens do Rio Sagrado (Water)

Dirigido por Deepa Mehta (Os Filhos da Meia-Noite - 2013), "Water" é considerado um dos filmes mais bonitos dos últimos anos. Conhecido pelo título "Às Margens do Rio Sagrado", "Rio da Lua", ou ainda "Água: Gotas de Liberdade". Ele conta a história da pequena Chuyia que aos oito anos não é apenas casada, mas também já viúva, cujo marido nem chegou a conhecer. De acordo com a tradição, ela é enviada para uma casa onde as viúvas são obrigadas a ficar isoladas da sociedade até o final de suas vidas, sem que possam alguma vez voltar a casar. Lá, conhece Kalyani, uma bela e jovem mulher de quem se torna amiga. Kalyani ousa desafiar as rígidas regras apaixonando-se por um jovem com estudos. O filme abre com um trecho hindu, segundo as leis de Manu: "A viúva deve sofrer até a morte preservada e casta. Esposa virtuosa que permanece pura após a morte de seu marido vai para o paraíso. Uma mulher infiel a seu marido irá permanecer no útero de um chacal."
Por conta do assunto ser considerado tabu na Índia, a diretora Deepa Mehta enfrentou oposição de grupos hindus fundamentalistas. Precisou encerrar as filmagens em Varanasi, devido à pressão do líder do governo em Uttar Pradesh. Quatro anos depois a produção foi retomada no Sri Lanka. É um assunto que comove, pois a tradição baseada em escritos com mais de 2 mil anos ainda persiste e muitas mulheres são submetidas a viverem em condições miseráveis. "Às Margens do Rio Sagrado" é forte, porém delicado. Faz parte de uma trilogia, iniciada em 1996 com "Fogo" e continuada com "Terra" de 1998.
A história se passa no ano de 1938, antes da data de independência da Índia, que ocorreu em 1947. A imagem inicial já revela a beleza e a inocência. Chuyia por meio de seu pai descobre estar viúva, sem ao menos se lembrar que um dia casou. Esse costume de casar meninas com homens mais velhos ainda permanece, é uma questão social, mas também econômica. Após Chuyia ser informada da morte, acontece um ritual, onde a imagem feminina é extirpada, os cabelos são raspados, as pulseiras retiradas, sai as cores e entra um sari branco, que é sinônimo de luto e a marca da viúva na sociedade. Levada a uma casa onde ficam apenas viúvas com o intuito de abnegação para se manterem puras, a menina ainda não entende e espera que sua mãe a busque, mas conforme os dias passam se dá conta de seu terrível destino. Ao redor há mulheres com vidas miseráveis e no meio delas encontra Kalyani, que mantém seus cabelos compridos, pois é obrigada a se prostituir para manter a subsistência da casa que é bem precária.

Dentro da questão social há um diálogo maravilhoso entre Narayan, que se apaixona pela linda Kalyani, e Shakuntala, que acaba por proteger Chuyia. Ela pergunta: Para quê retirar as viúvas da sociedade? Narayan responde: Para terem menos gastos, pois as famílias não querem arcar com mulheres que sinalizam mau agouro, e correr o perigo delas herdarem propriedades do marido, então se retiram para continuar puras, segundo a religião, mas acabam comendo mal, dormindo no chão, pedindo esmolas, entre outras coisas que estão nessa absurda tradição. A prostituição de moças vêm com intuito do bem-estar de outras, uma hierarquia que se cria. É a velha história de mascarar o sujo com a religião.
Narayan é um homem rico, estudado, idealista, dentro do sistema das castas é um brâmane, também é seguidor de Ghandi, que na época foi várias vezes preso por expor seus pensamentos e ensinamentos, no que mais tarde resultaria na independência da Índia. O pano de fundo histórico só faz enaltecer o conteúdo do filme. Narayan se apaixona por Kalyani, o que não é aceitável dentro desta sociedade, mas graças a Ghandi, muitos indianos adquiriram um pensamento mais libertário, e cujo o pai de Narayan era adepto. Indo contra as outras mulheres Kalyani vai embora e decide se casar com seu amado, mas o destino às vezes prega peças das quais são dolorosas demais, e Kalyani desiste. Já o destino de Chuyia está nas mãos de Shakuntala, caso não faça nada terá o mesmo destino miserável dela. É chocante ver a segregação, e a punição que uma mulher viúva tem que passar, o mais inacreditável é que isso ainda existe, devido as crenças milenares.
"Às Margens do Rio Sagrado" tem um roteiro excelente, grandioso, assim como a fotografia suntuosa e delicada. É uma história enriquecedora com aspecto humanista. Os velhos hábitos estão sendo quebrados aos poucos, a lei das castas foi abolida em 1950, mas a segregação ainda acontece na mente das pessoas, assim também acontece no que se refere as mulheres que se tornam um peso, após seus maridos falecerem. Para se quebrar uma cultura vai tempo, e só aqueles que desafiam podem conseguir essa tal liberdade. É preciso se desvencilhar dessas tradições machistas e desumanas.

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