sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Amor (Amour)

Para quem conhece o cinema de Michael Haneke já sabe que seus filmes não têm meios termos, as histórias são cruas, realistas e nada floreadas. "Amour" é um longa dolorido para quem o assiste, pois traz à tona um assunto que incomoda qualquer pessoa, a velhice e a morte. Envelhecer é o ciclo natural da vida, ao mesmo tempo que podemos exercer nossa sabedoria em relação a ela, o nosso corpo vai ficando cada vez mais frágil, nos dando surpresas de vez em quando, e é assim que acontece com a personagem de Emmanuelle Riva (atriz consagrada com seus 85 anos), que de repente fica doente, sem mais nem menos, e acaba ficando sob os cuidados do marido interpretado por outro ícone do cinema francês, Jean-Louis Trintignant.
Georges e Anne, são professores de música reformados, na faixa dos seus oitenta anos gostam de frequentar espetáculos musicais. Cúmplices, a casa é o paradigma das suas vidas, organizada, recheada de cultura e bastante agradável. No entanto, tudo muda quando de um momento para o outro Anne deixa de reconhecer Georges e entra num estado de coma. Pouco tempo depois, acorda e não se lembra de nada. É o sinal da desgraça que se avizinha na vida do casal. Esta tem de ser operada de uma artéria carótida entupida, uma intervenção que não corre bem e faz com que fique com o lado direito do corpo paralisado, sendo obrigada a locomover-se numa cadeira de rodas.
Todos sabem que quando se envelhece ninguém se importa muito, os filhos geralmente se desfazem de seus pais os colocando num asilo, ou ficam jogando de um para o outro. No filme o casal nega a ajuda da única filha Eva, vivida pela atriz Isabelle Huppert. Anne não gosta de médicos e se recusa a permanecer no hospital, seu marido Georges a leva para casa e promete cuidar dela com todo carinho no lar. O amor é o ingrediente mais bonito e mais cruel. Somos levados a fazer coisas pelo outro que jamais imaginamos, e foi assim com Georges. Quando se ama de verdade a última coisa que queremos é ver a pessoa amada sofrer, Georges sente-se impotente diante Anne, ele a ajuda, lhe dá banho, lhe dá comida, a leva para lá e para cá, só que isso se torna cada vez mais constante devido a situação degenerativa. Anne se torna praticamente uma criança, necessitando dos cuidados mais básicos, ela faz xixi na cama, e isso é desolador, já que era uma mulher altiva cheia de vida. Ela recusa até se olhar no espelho, não quer tocar no assunto de sua doença e não quer receber as pessoas conhecidas, nem a própria filha, pois dói a maneira que olham para ela. Georges é um homem comum, tem seus defeitos, mas dedica-se incondicionalmente a sua mulher. Conforme piora, ele contrata uma enfermeira para ajudar. A solidão pontua a vida deles, e como é difícil envelhecer e ter que lidar com isso.

O estilo de Haneke é frio, portanto o filme está livre de melodramas, ele não nos induz a lágrimas, porém nos faz pensar na instabilidade da vida. Quando jovens não pensamos nos tornar velhos e ter que depender de outrem. Envelhecer é se despir de qualquer rótulo, adjetivo e vaidade, é se lançar ao desconhecido, ao inevitável fim, a morte chega silenciosa, dando sinais apenas pelo nosso corpo, que cada vez se cansa mais, e depois a mente também cansa e não percebe-se mais a realidade. Se faz criança novamente, chamando pela mãe para que alivie a dor do fim. Imagine o sofrimento de Georges, o homem que viveu toda a vida com a mulher que ama, ter que observar tudo isso, pois essa é a única opção que tem. É necessário fazer algo para amenizar a dor e o sofrimento.
O filme tem a capacidade ao mesmo tempo em que o assistimos de refletir sobre nós mesmos, e nossa condição perante a vida. A situação que é mostrada com certeza já passou perto de muitos, com parentes ou conhecidos. A solidão é a pior coisa que pode nos acontecer nessa fase, por isso a mensagem sobre o amor. E esse amor é visto sob óticas diferentes. Amar talvez seja o grande segredo da vida, amar e se entregar ao outro de alma e coração, cuidar e evitar o sofrimento. Essa pode ser a maior maravilha da vida.
O diretor não nos dá esperança de um final feliz, pois já na primeira cena nos é apresentado um corpo falecido e coberto de flores em um quarto trancafiado.

"Amour" não é um filme fácil, ele é cruel, perturbador e demora-se para digeri-lo, fica-se num silêncio absurdo quando o terminamos de vê-lo. Na verdade é desesperador.
O elenco é soberbo e imagino o como foi difícil protagonizar a realidade. Envelhecer é algo inevitável, é o rumo natural das coisas, basta a nós fazer com que esta velhice se torne menos impactante. E o como é importante ter alguém que realmente nos ame, a companhia evita a dor da solidão tão presente nesta fase que percebemos o quão só somos neste mundo. Por isso é bom pensar no que se anda fazendo consigo mesmo e com os outros, que tipo de vida se anda levando.
"Amour" é um filme delicado apesar de forte, ele abrange questões das quais fugimos o tempo todo e nos mostra um amor que é capaz de tudo para que o outro não sofra. E o principal é que esse mesmo amor não é perfeito, mas quem disse que precisa ser?

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