terça-feira, 9 de outubro de 2012

Mil Anos de Orações (A Thousand Years of Good Prayers)

 O Sr. Shi (Henry O) desembarca no aeroporto dos EUA ao encontro de sua filha Yilan (Faye Yu), que vive a muito tempo no país. Logo vemos que a relação dos dois é distante, mal se olham e nem se cumprimentam, de início pensamos que o problema está na filha, mas no decorrer descobrimos o que os afasta. Vivendo em um subúrbio dos EUA, a filha recebe o pai em sua casa. Ele comunista assumido e bastante conservador, carrega consigo o lenço vermelho: a lembrança do exército comunista. Com dificuldade de entender porque a filha sai de manhã sem tempo para sentar-se e tomar um café, porque fica acordada até tarde da noite, ou porque come tão pouco, o senhor se depara com uma vida que nunca teve, que nunca viu. Aos poucos, decora a casa com objetos que remetem a China comunista, como se tentasse trazer a filha de volta para seu mundo. Sempre anotando as palavras com que se depara, o estranhamento da cultura, de pessoas que sempre estão apressadas, que não gostam de dar explicações. Sente que ali sua filha não é feliz e até pergunta para ela em dado momento, ele julga que por ser quieta não seja feliz.
A primeira parte do filme cativa, as tentativas frustradas de agradar Yilan, os passeios de Shi na praça, e seu relacionamento com a iraniana que sempre encontra, talvez a parte mais interessante, o choque cultural, o inglês doído dos dois, às vezes ele fala em chinês e ela responde em farsi, ou apenas acenam a cabeça, sem dúvida são as melhores cenas. Mas o foco do filme é na relação de pai e filha, na dificuldade de aproximação depois de tantos anos, de tantos percalços. Shi se sente culpado por não ter sido presente, Yilan sofre porque deixou o marido por causa de um russo. E ela ainda guarda mágoas achando que seu pai traía a sua mãe, em uma discussão ela joga tudo na cara dele. Isso é o que ela pensa, mas é um grande engano. No desfecho, o Sr. Shi sem nem perceber que a filha estava ouvindo declara que quando era cientista estava muito empolgado com o lançamento do primeiro foguete chinês, e a mulher que julgavam ser sua amante trabalhava junto com ele e conversavam muito, os líderes acharam que eles estavam apaixonados e queriam que casassem, mas o Sr. Shi revelou que nunca faria isso, ele amava sua mulher. Aí ele acaba sendo rebaixado e se transformou em um funcionário qualquer. Um momento que poderia mudar a relação deles, mas Yilan acabou saindo de casa no meio do desabafo solitário do pai.
O filme retrata uma certa sabedoria, mesmo com o erro do pai ao não dialogar com a filha, e ela com ele, nos mostra que há sempre tempo de perdoar os outros e também de perdoar a si mesmo, uma relação não é construída de uma hora para outra, ainda mais quando está cheia de enganos e impressões erradas, o importante é saber ouvir. O título do filme tem origem de um provérbio chinês: "São necessários três mil anos de orações para repousar a cabeça no travesseiro com alguém que amamos". O diretor Wayne Wang nos dá um filme silencioso, uma viagem ao nosso interior, mas também com vários aspectos políticos, isso se traduz na postura do Sr. Shi, na negação de certas atitudes da filha e em suas lembranças.

"Mil Anos de Orações" é um filme terno, introspectivo, de ritmo lento, mas muito cuidadoso em mostrar ângulos diferentes das pessoas, lados dos quais escondem por algum motivo, mas que em algum momento é preciso revelar, talvez para se redimir, ou somente para continuar a viver com mais leveza. É necessário ter paciência para que as coisas se ajustem, quem sabe seja necessário realmente mil anos de orações, talvez essa seja a única maneira de ver as coisas como elas são e de encontrar o ponto exato.

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