segunda-feira, 14 de maio de 2012

Filhos do Paraíso (Bacheha-Ye Aseman)

A história é simples e começa quando o pequeno Ali perde os sapatos de sua irmã Zahra, ambos têm medo de contar para a mãe e o pai, um duro trabalhador. A pobreza é retratada de maneira realista e sem esteriótipos, fator pontual para a película apresentar uma história simplória e que consegue nos tocar. Ao revezarem o mesmo par de sapatos os irmãos lutam contra o tempo, pois estudam em turnos distintos e o garoto sempre chega atrasado no colégio, dificultando seu aprendizado. As complicações que eles enfrentam contribuem para dar uma emoção a mais na trama. O companheirismo apresentado por esses belos irmãos deveria servir de exemplo para muitas famílias que brigam por besteiras. Pode soar piegas, mas as crianças de "Filhos de Paraíso" nos ensinam muitas coisas.
O renomado diretor Majid Majidi conduz a trama de forma muito bem dosada, as escolhas de ângulos são cuidadosos e criam cenas belíssimas, como o foco logo no início, quando o sapateiro arruma o sapatinho velho da irmã de Ali, a corrida sofrida do jovem em busca do terceiro lugar e os peixes sarando seus pés calejados ao final. É pura poesia em cena. "Filhos do Paraíso" é o melhor do cinema iraniano. Majid consegue com este filme um mergulho profundo, no qual o enfoque das mazelas iranianas sai do simples mostrar e tomar posições. Pela primeira vez, vemos uma Teerã rica, e ao mostrá-la fica ainda mais pungente a crítica social, criando a noção das duas realidades no Irã. Esta mensagem surte efeito, e supera muito em complexidade o simples retrato da miséria. As relações inumanas entre classes sociais usa de um recurso tão simples quanto genial: o interfone. Os ricos não se veem face a face com os pobres, os dispensam de longe. Porém, um verdadeiro humanista vê sempre uma saída, e a de Majid está nas crianças, que forçam o contato entre classes. Além dessa crítica social, há as relações de autoridade na escola, na mesquita, e ao mostrar a influência da propaganda danosa na TV no imaginário infantil, criando uma divisão interclasses por valores, como um sapato mais limpo e ao mostrar um painel mais abrangente. Uma cena memorável é quando o pai diz ao menino: "Você já não é mais criança, tem nove anos!", o diretor passa toda a situação das crianças pobres prematuramente adultas.
Esteticamente o filme também é rico, a poesia da simplicidade paira a cada cena, é impossível não se compadecer com os grandes olhos negros do garoto, ao querer contar para a irmã que perdeu seus sapatos, quase sempre um olhar assustado e triste. Esse filme nos faz pensar o quanto a nossa sociedade está perdida em seus vícios de consumo, o nunca estar satisfeito, o querer sempre mais, o quanto não damos valor às coisas que conseguimos, esquecemos o como é difícil adquirir algo, seja a mais simples das coisas. Há muitos valores sendo esquecidos ultimamente.

"Filhos do Paraíso" é um filme excepcional, longe de ser um melodrama barato, é o modo como alerta sobre as desigualdades sociais através de objetos e atitudes de aparência singela. Um par de sapatos ganha um significado monumental para os irmãos, mas existe um real motivo para isso, e nós o conhecemos muito bem. A pobreza tende a exaltar coisas que para muitas pessoas soam insignificantes. Em determinado ponto da história, Ali presenteia Zahra com um lápis e uma caneta como forma de agradecimento pela compreensão, e a menina fica felicíssima, como se tivesse ganhado a coisa mais maravilhosa do planeta. A inquietação dos filhos diante aos problemas financeiros dos pais é natural, e essa temática ganha dimensões metafísicas no filme.
Ausente de moralidades e com um raro grau de ternura obtido poucas vezes no cinema, este filme emociona do início ao fim, e faz jus ao pensamento: A grandeza das coisas está na simplicidade.

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